
TEXTO 3.
Desde que assumiu a vice-presidência do escritório, Jeremy K. andava indiferente aos antigos colegas. Não porque era um dos poucos negros de lá, o que já trazia desvantagem naquele universo albino.
Mas, estranhamente, há dois anos, havia deixado de beber com amigos, de convidar as moças de Mannhatan para noites em seu apartamento, até o farmacêutico, da 2ª avenida, estranhou que seu cliente preferido sumiu de vista. Mr. K, de sua sala no primeiro andar ordenava, apenas; e aos úteis.
Sua rotina de reclusão se acentuou após receber um telefonema. Era o presidente dos Estados Unidos da América. Não ouvia aquela voz texana há pelo menos três anos.
Demandava explicações factuais o senhor presidente sobre a bagunça nos números do mercado financeiro. O que dizer ao público sobre a falha na farra? – indagou apreensivo. A total ingerência sobre aqueles negócios, fez-se imprescindível ao chefe do Estado saber o que não poderia dizer às câmeras.
Do término da conversa ao colapso demoraram poucos segundos. Nas duas semanas seguintes Jeremy não foi trabalhar; se trancou em casa, estava imóvel. Verrugas pretas brotaram em seu pescoço, adoeceu sua pele, uma coceira tremenda.
Não procurou médico. Passou a comandar os negócios do próprio quarto. Não quis mostrar a face enferma aos subalternos do escritório; não queria desanimá-los - temia a débâcle tanto quanto eles.
Naqueles 15 dias seguintes, além das negociações constantes, com a firma prestes a decretar falência, Jemery K. releu boa parte dos seus mentores, de Friedman a Hayek, Greenspan, Freud (?). Consultou laudas e laudas escritas nos jornais por especialistas das mais variadas escolas. Estava obcecado sobre o futuro.
Numa certa manhã, após 36 horas de discussões finais com os chefões, sua mente entrou em colapso. O escritório estava liquidado. Seus donos mais livres do que nunca para fugir da crise que cavaram.
O mundo feliz de uma geração ruindo, por desmando dos juízes e ganância dos apostadores. Das masmorras do imenso império chamado mente, fugiam fantasmas, que agora vociferavam sandices na consciência de Jeremy.
Você deve agir!, vociferava Tio Sam. Ele não queria ouvi-los. Os homens logo achariam a solução, pensava aturdido. Dominado por tal força transcendental, paranóia e destino se abraçaram - tamanho temor à fissão seguinte ao colapso.
Passava das três da tarde, há dois dias conversava com fantasmas. Há dois dias se deixava levar por aqueles desprazíveis seres do passado. Keynes sugava sua alma. Num rompante, Jeremy K. agarrou a obra de Friediman repousada sobre a mesa de cabeceira e correu para a rua.
Chegando a Main Street, Mr. K., sobre aquele imenso volume de mil e poucas páginas, improvisou um púlpito. Inflou os pulmões, trouxe a palavra do homem santo, mal compreendido, que levou à ruína milhões de pessoas, e que poderia lhes trazer à fortuna novamente. Não havia outra maneira, a não ser reforçar a fé no sistema.
Sua boca libertou bestas das mais variadas. Um trágico cenário sobre o cenário feliz de Nova York era pintado. Queimarão casas, disse em tom soturno, demolições nos bairros, para vender terrenos mais baratos e elevar o preço das residências restantes. Temos de ser fortes, falava frio, firme, imponente, feito um militar informando a um grupo de iraquianos as novas regras do bairro em ruínas.
A solução dependia da presença diária da ordem para impedir a ação corrosiva de justiceiros, grupos populares, milícias, o oportunismo fascista, nas áreas degradadas. Não cairiam na calamidade de Nova Orleans - eu não permitiria, irmãos!
Jeremy era ouvido por poucos, alguns erguiam punhos à frente de sua face, mendigos jogavam moedas sob seus pés; homens de paletó tentaram dissuadi-lo de sua missão, não queriam profetas seduzindo mentes, confundindo as pessoas nas ruas.
Berrava, irmãos, com suor de nosso povo salvaremos nossa reserva moral. Ele falava do fluído para a engrenagem flácida da pesada máquina financeira, obsessiva em adquirir desconfianças, que colou o bundão em espaçosas poltronas de couro, com rodinhas anti-ruídos, para piso frio, perfeitas para movimentar melhor.
Um monstro obeso de excessos, o qual necessitava de alguém enxuto para correr na roda enquanto as execuções, rápidas de mais, e, as soluções, lentas de mais, adoeciam suas artérias entupidas.
Mr. K. sentia o corpo levitar. Sabia tocar a consciência daqueles que o ouviam. Um número cada vez maior de pessoas. Era como se fizesse aquilo desde criança.
As coisas desse mundo, ó Deus, irmãos, desde as incursões nos campos árabes, somos só sangramento. E me pergunto se tanto sofrimento era necessário. Mas, não demoraremos a sanar tal angústia que, agora, outros nos pregam em cruzes pelo planeta. Trazemos a liberdade, e isso não nega nossos atos. Irracional aquele que não aceita o macaco dentro de si.
As palavras excitavam sua mente. Por um momento, sabia o que estava fazendo. Entretanto, mal pressentia o beco sem retorno que a paranóia e o poder o pressionavam a entrar: uma volta bizarra às formas de um ontem de intervenção implacável da força.
Como seria caso tivesse de agir? Ele não soube responder pra si. Permitir-se-ia àquela farsa? As marcações no palco ele conhecia, concordou. Lidou com líderes a vida toda. Sim, sim!, Mr. K. aceitava a missão.
Não acreditava nos alicerces do bem e do mal? Da luta contra os difamadores das liberdades? Além do mais, estava ali por seu país. Traria ao mundo a nação sem cara-pálida como Bushes e Clintons. Ali estava um negro que queria agir, como nunca antes.
Sentia-se, de verdade, uma cria diferente do ninho. Mas, o âmago dos poderosos guarda a necessidade de alimentar um espírito ancestral de dominação, poder, supremacia, o que tornava quente a gota imperial em sua saliva. Jeremy K. logo se mostraria uma ameaça? Jeremy K. logo seria morto? Jeremy K. não parava de pensar em Jeremy K.
As dívidas da guerra declarada ao mundo sangrariam mais a nação das liberdades. O sonho da eternidade feliz exterminada por uma conta de cartão de crédito estava próximo. Cenas horríveis em sua mente pediam palavras de força.
Eu não fugirei! Há esperança!, gritou, para em seguida ser carregado nos braços, para longe, por trezentos que ali passavam.
Para esses místicos de pouca fé no futuro, observando mutações no agora infinito, restava aguardar o depois frente às encenações de habilidade dos jogadores com as cartas marcadas de seus gastos baralhos.
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