O SACERDOTE
DA VERTIGEM
Ontem, após o show de Iggy Pop o que restou foi a devastação. Há 4 anos, quando, no Claro que É Rock, vi pela primeira vez esse insano, soube que desconhecia tudo sobre o rock. quem estava comigo lembra de ter sentido o tempo fechar logo no primeiro acorde, com o pressentimento de que um corpo estranho foi solto nas ruas, um maníaco, amedrontador, IMPREVISÍVEL!; ontem, foi além disso: eu vi o rock, só, em ruínas e pelancas. Você poderia dizer qualquer coisa sobre o rock e sua "linha evolutiva" naquela apresentação para principiantes: o festival da Claro jogou sobre os escombros dos Stooges, que fizeram um show esmagador, o Sonic Youth com distorções altistas intermináveis e muitos sucessos; e em seguida, a ressurreição e rendição ao gênero, com o Nine Inch Nails, numa apresentação de pirotecnia plástica e sonora que nos colocou de joelhos, resignados, prontos para o golpe de um machado afiado. mas, ontem, não houve espaço para apoteoses. nada. A brutalidade de Iggy e Stooges deixou o planeta sem qualquer esperança. desorientado: - o que pode vir depois? O rock estava ali, tendo um senhor de 60 anos se contorcendo por sua sobrevivência -- uma ode ao tesão, à vertigem, ao caos. oh!, come on!, COME ON!, I'M LONELY HERE! digam-me, quantos sacerdotes realizam sacrifícios com a própria carne? mesmo naquele campo hostil, de abraços corporativos, sorrisos em W, e o público encapado, de snorkel e pé de pato, houve quem se rendesse aos clamores por ajuda, daquela massa humana próxima a extinção, "salvem-me, salvem-nos" -- mas, boa parte do público salvou mesmo foi a própria pele: delineadores, roupas da última hora, cabelos que levaram mais de duas horas para armar. a chuva castigava essas produções. castigava. Foi vertiginoso, de "Raw Power" a "Lust For Life", para quem permitiu ser levado na grandeza bizarra de Pop ao mais alto dos precipícios. De onde se avista a verdade imensa e caótica desse planeta. nesse momento você se lembra como terminam as histórias dos ídolos. isto é, como termina qualquer história humana. e ontem à noite, sobre o devastado, houve quem viu uma saída com a entrada do dj Étienne de Crécy. por ali, nem todos irão seguir. era hora de ir pra casa. onde encontrarei o rock amanhã?
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